domingo, 24 de novembro de 2019

Ah ! As divindades



Chiko Kuneski

Hoje, 23 de novembro de 2019, não foi um dia de Jesus. Nem de Deus. São humanos demais para brilhar no tabuleiro mágico do futebol. Os “deuses” do futebol mandam no retângulo de grama. Mandam e desmandam. Os “deuses” do futebol movem os cordéis mágicos das marionetes do espetáculo e decidem tudo ao seu humor.

Os torcedores não sabem nada deles. São meros brinquedos apaixonados. São humanos demais para sentirem a força do controle. E assim os “deuses” do futebol agiram.
A galhardia pragmática de Gallardo, competente na marcação, tecnicamente quase perfeita, saiu vencendo. Como ele mesmo pensou ter profetizado: “quem fizer o primeiro gol no jogo da decisão vence a Libertadores da América”. A primeira decisão em um único jogo, na infindável mania da América copiar os colonizadores europeus. E foi assim que tudo correu. River saiu na frente.

Mas o argentino, na sua empáfia portenha, esqueceu que acima de João de Deus e Jorge Jesus, estavam os “deuses” do futebol. Os deuses não gostam de galhardias. Não gostam. Não toleram. Permitiram que se vangloriasse até os estertores da brincadeira deles.

E, seguindo sua diversão de ver o melhor futebol, as punem da maneira mais cruel. Para eles o espetáculo está acima dos homens, querem se divertir. Não podia ser diferente nesse embate terreno, com nomes divinos e egos dos deuses. No futebol o ego só cabe ao ego dos “deuses” do futebol. A bola pune quando assim querem.

Duas bolas, no final. O êxtase e a tragédia sempre se apresentam no final. Um jogo pragmático, perfeito, impecável de Gallardo foi punido pelo gol. Do jogador que os apaixonados pelo futebol batizaram com segundo nome de “Gol”. Um singelo Gabi, diminutivo de Gabriel, para um expansivo “Gol”.

Os “deuses” do futebol gostam do espetáculo. Movem suas cordas para a diversão e, normalmente, premiam o futebol que mais os encanta. Sabem que assim cativam os meros humanos. Não gostam das divindades meramente humanas. O preposto dos “dos deuses” do futebol é o Gol.



sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Desmoronando a crença



Chiko Kuneski

Sempre comunguei com o enunciado que um homem dever ter pelos menos uma fé absoluta e fazer dela sua religião particular. O meu ritual místico é o futebol. Encarna-se no manto sagrado rubro-negro. Meu time em campo é mais que futebol é adoração é veneração é uma religião pagã de ídolos passageiros.

Um padre jesuíta me disse certa vez que todo homem tem direito a uma paixão imutável. Acho que entendeu que a minha tem nome: Flamengo. Assistir o rubro-negro é mais que ver futebol; é adorar os 90 minutos do “culto” mágico de sair de uma realidade para uma fantasia absoluta de plenitude ou frustração. Professar a fé por um time é ir do nirvana ao inferno, e isso pode acontecer em meros segundos dentro do atemporal cronômetro do torcedor.

O inferno é bem mais fácil nesse fascínio místico. Acho mesmo que até mais comum e lógico. Mas não existe lógica na paixão.

E o inferno parece se apoderar mais rapidamente quando há um motivo. A cada dor se espera uma analgesia. Algo que suprima os sintomas. Traga meros momentos de relaxamento. O futebol serve também para isso. O futebol com paixão é uma morfina da alma ministrada via adrenalina. Aclama, relaxa, tira a dor, sossega.

Respirei isso o dia todo. A morfina da “alma” no Fla Flu. A emoção pelas homenagens de dez adolescentes que morreram por um sonho, talvez o mesmo sonho que o meu da paixão do futebol e de um clube escolhido na pureza de criança, aumentou a adrenalina. Pilhei. Vesti o manto. Tomei no cálice. Endorfinei.

Mas o inferno é mais fácil que o nirvana. Decepção. Desilusão. Paixão desconexa. Dor. Novamente a dor. Tudo provocado por um time sem paixão. Sem honra do manto. Sem respeito aos que deram a vida pela religião de torcer pelo Flamengo. Covardes, acovardados. Midiaticos no sofrimento. Mentirosos. Enganadores dos enganados.

Um time sem alma. Sem espírito de luta. Sem vontade. Sem rumo. Sem comandante. Um Flamengo que me balança a paixão de criança. Meramente o um grupo de corpos falsamente vestindo um manto de que não foram dignos. Um embuste.

Voltei a chorar pelos dez meninos que deram corpo e alma por sua paixão. Os homens em campo praguejei.

Empáfia argentina e enganação

Chiko Kuneski Existe uma piada da época em que não havia o politicamente correto que diz: “o melhor negócio do mundo é comprar um argent...