Crônica do tempo perdido
Mesmo com apenas meio século
de vida, ouso discorrer sobre um pouco do meu país e vou além, atrevo-me, a
começar a história, literalmente, no bico da mama. Em março de 1963. O Brasil
me via pela primeira vez. Eu também achava que o via. Tempos conturbados. Estranho
para um recém-nascido e para uma futura extração à fórceps. Mais ou menos
assim, nos apresentamos, eu e meu país.
Com apenas um ano, mal
completados, a política me vem com um rompimento. Março de 1964, um ano depois
mim, nasce o golpe militar e começa uma ditadura. Muitos vão dizer que era
perversa; outros que era necessária; há ainda os que nada dirão. A História é
assim. Contada. Mas eu fazia parte dessa História.
Vinte anos depois, um modo de
governar é questionado e não resistiu. Mas, dessa vez, não podia ser à fórceps.
A nova democracia veio num parto natural e naturalmente permitido. Havia uma
necessidade e até vontade que não fosse forçada. Então, depois de 20 anos, o
Brasil pensou estar mudando. Mas a mudança nasceu natimorta.
Esperamos mais cinco anos de
dura gestação para respirarmos, finalmente, uma inseminação ao modo natural. Em
1989, parecia que, finalmente, estávamos querendo pensar no futuro de um país,
que apenas pensava no passado. Mas a História é mais perversa que imaginamos e
mostrou que é impossível discutir o futuro apenas com os rancores do passado.
Outro natimordo da
democracia. Mas esse, concebido de forma natural, sem tubos de ensaios
coloridos. Agora vai, pensamos nós brasileiro depois do “impedimento” do primeiro
presidente eleito de forma direta pós ditadura.
Achávamos que o Brasil tinha
trilhado seu caminho, democraticamente, ao futuro. Trinta anos após a ruptura democrática,
o recomeço. Vieram oito anos de recomeço, depois mais oito anos, com alternância
do processo democrático. Depois mais quatro sucessivos, democraticamente.
Apenas nesse meio século da
história da minha vida, nasci, cresci, estudei, vi e vivi numa ditadura de 1964
a 1984. Uma gestação de democracia de 1984 a 1994, com nascimentos e abortos,
que pareciam insuperáveis. Só então, me veio, e para o Brasil, a nova
democracia pensada de fato.
Nova até quando? Até
assistirmos debates de dois candidatos à presidência, em pelo século XXI, em
2014, vinte anos depois, discutindo Samu, que era Sandu na ditadura, Pronatec
que na ditadura era escola profissionalizante, Petrobrás, que era mote de campanha
de Getúlio Vargas, em 1950, SUS, que era INAMPS.
Cinqüenta anos após nascer,
ligo uma TV de LED, com canal a cabo HD, de alta definição, vejo ao eu alcance
um mundo novo, gestado e crescido no contraponto de um debate que discute
apenas meu passado.
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