terça-feira, 17 de julho de 2012

Se tu o dizes?!

Honestamente, nunca me senti bem em avião. Sempre tive medo. Medo não, pânico. Esse é o termo. Só entrava em avião por brevidade para resolver alguma situação impostergável. Aquela era uma situação que merecia encarar o pânico. Câncer. Só a palavra já assusta. Os maus são o “câncer da sociedade”. 

Câncer é para por qualquer um em pânico, ainda mais quem já tem pânico de avião. Mas, se teria que morrer, pelo menos o fim seria abreviado. Não me restava escolha a não ser pegar o avião e voar até São Paulo para confirmar o laudo do urologista: “câncer no testículo”. Logo eu, um ator de filme pornô.

Por puro azar o vôo estava completamente lotado e só consegui lugar na janela. Logo aquela cadeira. O pânico, a próstata, que também não estava tão boa, o medo, o álcool para dar coragem, tudo me faria ter que levantar para dar uma aliviada em pleno ar. Suava frio. Para um futuro moribundo a companhia de fileiras de cadeiras não poderia ser melhor. 

Dois médicos. Médicos juntos são piores que hipocondríacos, só falam de doenças e ainda por cima em termos técnicos. Seria certamente um vôo tenso, se pela situação já não o fosse. Na cadeira do meio sentou-se um oncologista. 

Por pouco eu não me consultei ali mesmo, mas como não tinha nem a certeza do câncer, não era a hora de morrer de véspera. Nem peru mais morre de véspera. Na fileira do corredor um gastroenterologista. Só de ouvir pronunciar a especialidade senti uma dor de estômago.

Tirando uma ligeira turbulência logo na decolagem, que quase me fez precisar de um cardiologista com urgência, o vôo começou normal. Como se fosse possível ser normal um homem voar. A conversa entre os médicos corria solta sobre medicina. 

Como os advogados, eles trabalham até em festas, quando se reúnem e só falam de leis, defesas, sustentações orais. Para mim sustentação oral tinha um sentido bem específico. Mas, preferi ficar ouvindo.

Ambos iam participar de congressos das especialidades como palestrantes e o oncologista explanou para o outro o tema de seu trabalho. Especializou em um tipo raro de câncer de glande. Gelei. Pensei rápido: não doutor, tudo, menos esse possível câncer do testículo resolver emergir e acabar com meu “ganha pão”. 

Liguei o radar e fiquei de butuca na exposição do médico, que abriu seu laptop e começou a mostrar a palestra preparada para o colega de ofício. Mostrou números, gráficos, comparações da enfermidade. Senti-me como sempre me sinto num consultório, apenas parte da estatística.

Falava com prazer das novas técnicas desenvolvidas, das vacinas, e, por último, de uma grande descoberta. Nunca pensei que um médico mostrasse tanto entusiasmo por glandes penianas. Eu dar importância ao assunto ainda entendia. 

A coisa revolucionária era uma nova pomada que curava o câncer de glande completamente. Uma droga que impressionava pela resolução. Para ilustrar a melhora que novo medicamento trazia o oncologista mostrou uma foto de um membro doente.

Olhei de canto de olhos, não resistindo à curiosidade e gelei. Era algo horrível de ser ver. Um pênis que não deixava nada a desejar para os melhores dos filmes pornôs, mas com uma glande desfigurada pela doença. Confesso que me deu um misto de nojo e medo. Esqueci até dos testículos. 

O médico explanou tecnicamente para o outro os problemas no tecido, o crescimento incontrolável das células doentes, as dores. Senti meu membro doer só de ver. Na sequencia uma foto após o tratamento com a pomada mágica. Inacreditável. Um pênis totalmente sadio. Corado. Até rejuvenescido. Não fosse eu um admirador de outras belezas, diria “um belo membro”.

Notei júbilo no rosto do oncologista ao mostrar a foto. Quase um prazer de exibir o fruto de um trabalho bem feito, de uma obra impressionante. Sem se dar conta do seu arredor, absorto como um artista diante da criação acabada, o oncologista, maravilhado com a nova descoberta científica, indagou quase num suspiro de êxtase:

- Não é uma beleza?

O colega ao lado, notando o olhar estupefato da vistosa aeromoça, alta, loura de seios que não teriam como passar imunes aos olhares menos ousados e curvas sensuais, respondeu sarcástico:

- Se tu o dizes?!

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