A Tinteiro e a Bic
Recentemente o PR Jair
Messias Bolsonaro, uso o nome completo para identificar e em respeito ao cargo
que ocupa o “enfaixado”, assinou o decreto n 10.502, que cria a nova “política
nacional para a educação especial”. Ao mais leigo pode parecer um avanço para
dar educação às pessoas com deficiência ou superdotadas, mas os leigos precisam
aprender história. Não gosto de me usar como exemplo, mas às vezes serve como
um desenho para os que não sabem ler os símbolos das letras.
Nasci com deficiência física
em 1963 e, aos sete, já no governo militar, minha mãe tentou me matricular na
escola pública regular, como uma criança comum. Mas era olhado de forma
incomum. A inscrição foi nega. Minha mãe não aceitou e recorreu. Brigou. Lutou
e me matriculou. Perdi nessa batalha meu primeiro ano de vida escolar, mas a
resposta ao preconceito é a crítica ferrenha e a volta por cima com o exemplo
de sucesso.
Fiz todo o primeiro
grau numa escola estadual. Junto com todas as crianças da minha idade e
participando de tudo que a escola possibilitava. Acho mesmo que era o único “especial”.
A teimosia de minha mãe fez o que tinha
que ser feito: inclusão social pela educação. Segui em escola regular no
segundo grau e, pelo vestibular, cursei Jornalismo na UFSC. Resumo da ópera: transformei-me
num cidadão pela inclusão da educação. Como qualquer um estudei, aprendi,
trabalhei, paguei impostos. Vivi a rotina da vida. Nada de espetacular. Apenas um recorte do que
devia ser algo comum, mas que começou de forma bem singular.
Mas o que minha
história particular tem a ver com o decreto governamental. Tudo. A nova
regulamentação federal estimula a criação de salas especiais para portadores de
deficiência e superdotados. É a criação de uma politica educacional exclusiva e
não inclusiva. É uma criação de guetos de ensino “especiais”. Uma espécie de
campo de concentração escolar para deficientes.
A lógica é simples e
até matemática. Se a escola, pública ou particular, é incentivada a criar salas
especiais, não inclusivas, porque ter profissionais especializados para as
salas comuns? Para que ter mais trabalho didático só para que a criança com
deficiência faça tudo que as “normais” (ai me permito um SIC de raciocínio
rasteiro) fazem? Mais fácil colocar os “especiais” nos currais com seus “iguais”.
Incentiva as escolas,
públicas e particulares, a terem salas segregacionistas. Cria “guetos” para a
diferença, com a falsa desculpa de assim estar possibilitando aceso à educação.
A Bic do mandatário risca toda a luta por inclusão na educação regular travada
globalmente desde 1981, quando o tema era o centro das discussões do Ano
Internacional de Pessoa Deficiente.
Mas o que a Bic tem com
a caneta Tinteiro. Uma simples analogia a política segregacionista praticada
pelo nazismo alemão. Novamente vemos a tentativa da criação de uma raça
superior e pura. Da segregação, seja racial, de gênero, de opção sexual e agora
por nos cunharem de “especiais”, abaixo ou acima, no caso das crianças
superdotadas. A caneta deixou de ser tinteiro para virar esferográfica, mas a
segregação e a política de dominar pelo doutrinar pela separação e incentivar
castas superiores continua a mesma.
Chiko Kuneski 3/10/20
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