sábado, 5 de dezembro de 2020

ORIGAMI, DIÁRIO DE UM TUDO

Escrever. Um verbo que só compreende quem o vive. Como respirar, comer, beber. A diferença é que você pode viver a vida toda sem escrever. Até o fatídico momento que escreve. É uma endorfina. Ativa. Criativa. Sensitiva.  Escrever dá trabalho, mas traz prazer. Escrever poesia é beber dopamina das palavras. É êxtase.

Descobri, recentemente, esse poder hormonal gratuito. Escrever. Escrever poesia. Dia a dia. Pensar poesia. Viver poesia. Confesso...Foi mágico. Criar o mundo sem um mundo. Confinado. Trancado. Imaginar outro mundo. Outros mundos. Como se o confinamento fosse “celeste”, do olhar supremo, de cima, do todo. Um processo criativo de respirar poesia, comer poesia, me embriagar madrugada afora bebendo poesia.

Mas a poesia engavetada é egoísmo, até consigo mesmo. É um origami da mais bela ave amassada por meros papéis. Os pássaros, principalmente os imaginários, são feitos para voar. Voar é se mostrar. Primeiro ao vento, também um condutor imaginário, invisível, mas com uma força particular. Para o origami da poesia o vento é a energia, basta abrir as asas e voar. Voar pelos céus, invisível, até se mostrar.

Assim se forjou o Diário do Nada. Um pequeno origami apenas imaginário ganhando formas na dobradura das palavras, às vezes rimadas, musicais, outras descompassadas e até desconexas. Soltei esse pássaro de papel no invisível vento cybernético. Voou. Mas todo planar tem uma aterrissagem.

Esse aterrissar deixa de ser mero sonho de Ícaro e vira terreno, tem que se materializar para que toda a mágica dobradura dure. O abstrato começa a dar lugar para o concreto e o sonho da madrugada muda para um trabalho diuturno. Aquele desconexo tem que ser transformado em lógica, organizado, planejado e executado. Com o braçal do abraço.

Do escrever do etéreo, do sonhar poesia; o suar do dia a dia. Projetar. Compilar. Montar. Negociar. Vender sua ideia e desdobrar as dobras do origami fazendo a folha em branco tomar outra forma. Realizar. Deformar para nova forma. Organizar. Revisar. Mudar. Reinventar. Revisar. Até que aquele frágil pássaro de dobras imaginárias vire um concreto perpétuo. Um livro. Ufa! Acabou! Engano. Agora o frágil origami cresceu e precisa reaprender a sentir o vento, dominar novamente a força eólica e voar, como livro: Diário do Nada.

 

Ck 05/12/20

sábado, 3 de outubro de 2020

 

Matemática do menos

 

Sinto-me velho como o século

Nesse XXI de dezenove

Desse tempo que não se move

Parado, parando, estático, que paralisa...

Até o futuro...

Como maligna máquina atemporal

Retrocede, retrocedendo, volta em volta

Joga-nos nesse escuro espiral

No seu dextrogirar de mola solta.


Ck 4/10/20

 

A Tinteiro e a Bic

 

Recentemente o PR Jair Messias Bolsonaro, uso o nome completo para identificar e em respeito ao cargo que ocupa o “enfaixado”, assinou o decreto n 10.502, que cria a nova “política nacional para a educação especial”. Ao mais leigo pode parecer um avanço para dar educação às pessoas com deficiência ou superdotadas, mas os leigos precisam aprender história. Não gosto de me usar como exemplo, mas às vezes serve como um desenho para os que não sabem ler os símbolos das letras.

Nasci com deficiência física em 1963 e, aos sete, já no governo militar, minha mãe tentou me matricular na escola pública regular, como uma criança comum. Mas era olhado de forma incomum. A inscrição foi nega. Minha mãe não aceitou e recorreu. Brigou. Lutou e me matriculou. Perdi nessa batalha meu primeiro ano de vida escolar, mas a resposta ao preconceito é a crítica ferrenha e a volta por cima com o exemplo de sucesso.

Fiz todo o primeiro grau numa escola estadual. Junto com todas as crianças da minha idade e participando de tudo que a escola possibilitava. Acho mesmo que era o único “especial”.  A teimosia de minha mãe fez o que tinha que ser feito: inclusão social pela educação. Segui em escola regular no segundo grau e, pelo vestibular, cursei Jornalismo na UFSC. Resumo da ópera: transformei-me num cidadão pela inclusão da educação. Como qualquer um estudei, aprendi, trabalhei, paguei impostos. Vivi a rotina da vida.  Nada de espetacular. Apenas um recorte do que devia ser algo comum, mas que começou de forma bem singular.

Mas o que minha história particular tem a ver com o decreto governamental. Tudo. A nova regulamentação federal estimula a criação de salas especiais para portadores de deficiência e superdotados. É a criação de uma politica educacional exclusiva e não inclusiva. É uma criação de guetos de ensino “especiais”. Uma espécie de campo de concentração escolar para deficientes.

A lógica é simples e até matemática. Se a escola, pública ou particular, é incentivada a criar salas especiais, não inclusivas, porque ter profissionais especializados para as salas comuns? Para que ter mais trabalho didático só para que a criança com deficiência faça tudo que as “normais” (ai me permito um SIC de raciocínio rasteiro) fazem? Mais fácil colocar os “especiais” nos currais com seus “iguais”.

Incentiva as escolas, públicas e particulares, a terem salas segregacionistas. Cria “guetos” para a diferença, com a falsa desculpa de assim estar possibilitando aceso à educação. A Bic do mandatário risca toda a luta por inclusão na educação regular travada globalmente desde 1981, quando o tema era o centro das discussões do Ano Internacional de Pessoa Deficiente.

Mas o que a Bic tem com a caneta Tinteiro. Uma simples analogia a política segregacionista praticada pelo nazismo alemão. Novamente vemos a tentativa da criação de uma raça superior e pura. Da segregação, seja racial, de gênero, de opção sexual e agora por nos cunharem de “especiais”, abaixo ou acima, no caso das crianças superdotadas. A caneta deixou de ser tinteiro para virar esferográfica, mas a segregação e a política de dominar pelo doutrinar pela separação e incentivar castas superiores continua a mesma.

 

Chiko Kuneski 3/10/20

https://brasil.estadao.com.br/blogs/vencer-limites/especialistas-em-inclusao-escolar-reprovam-nova-politica-de-educacao-especial-e-pedem-revogacao-de-decreto/?fbclid=IwAR2_DZP6VjP11kTta6wIt1cPFhcs-QdoTJbaDMFhcOpP0ph0Irc_OE3V4Uk

segunda-feira, 15 de junho de 2020

Vídeo game televisivo

Chiko Kuneski

Na Europa o futebol voltou. Na Alemanha, na Espanha, logo volta na Inglaterra. Mas voltou, pós pandemia, confinamento, sem terra. Não falo dos gramados, como sempre irreparáveis; sem os terráqueos. Os campeonatos nacionais europeu voltaram como uma cara de brincadeira virtual. Retornaram como um vídeo game sem controle de quem joga.
As cadeiras vazias de pessoas, sem calor, foram substituídas por holografias, projetadas para a televisão. E de um gráfico dos anos 90 em plena segunda década do século XXI. Voltou como um vídeo game retrô. Pobre. O som da torcida, imaginária, é ainda pior. Um triste metálico, melancólico do vazio.
Mas chega de falar dos arredores do novo futebol. Dentro de campo há um tom retro do jogo. As marcações são métricas, a distância segura; não com antes, sem espaço. Sobra espaço. Os jogadores estão perdidos nesse novo futebol. Depois de tanto tempo jogando com a referência do contato, do movimento rápido, do raciocínio veloz, que diferencia os especiais dos comuns, têm espaços.
Espaço sobrando, qualidade faltando. Os jogadores nesse novo futebol não sabem o que fazer com o tanto espaço para receber a bola, livre, sem combate, que se limita ao olhar do marcador, à pelo menos um metro. O toque preciso de antes se oprime ao passe burocrático. Nas alas, os laterais ficam assistindo o jogo, sem nem uma cabeça adversária entre ele e a bola. Mas não há o passe. Há tanto vazio que os meias não olham para os lados. Procuram o vertical de um atacante, normalmente mal marcado.
O espaço sobrando deixa o raciocínio faltando. O pensar dos pés está lento. Não há mais o olhar de agudez do jogo. O olhar é “balse”, contemplativo. Há espaço, logo há tempo. Esse novo futebol pós-pandêmico parece um paciente saindo de um tratamento intensivo, sem intensidade.
Sobra a nós, espectadores desse vídeo game sem controle, torcer para que os craques, sempre diferenciados, saibam o que fazer com o maior espaço. Certamente brilharão mais. Que entendam isso e joguem esse jogo retrô com a maestria do passado. O futebol do antigo presente voltou morto, dificilmente retornará no futuro. Então, que o futebol do passado recomece e se reinvente. Mesmo que no vídeo game da vida nos gramados.

Empáfia argentina e enganação

Chiko Kuneski Existe uma piada da época em que não havia o politicamente correto que diz: “o melhor negócio do mundo é comprar um argent...